Crise alimentar

Alterações climáticas e guerra na Ucrânia provocam crise alimentar
É um problema comum a praticamente todos os países do mundo: nos últimos anos, o preço
dos alimentos tem alcançado níveis recorde e já há produtos a falar nas prateleiras dos
supermercados. A guerra na Ucrânia, que reduziu as principais exportações de trigo e
fertilizantes, mas também as mais frequentes as inundações, a seca e o calor extremo
causados pelas alterações climáticas, explicam grande parte desta crise.
O preço global dos alimentos começou a subir em meados de 2020, quando muitas empresas
tiveram de fechar portas por causa da pandemia de covid-19. Os agricultores derramaram
milhares de litros de leite e deixaram frutas e legumes apodrecerem. Não existiam condutores
de camiões disponíveis para transportar estas mercadorias para os supermercados, locais onde
os preços dispararam à medida que os consumidores, assustados, faziam “açambarcamento”
de alimentos. Além disso, a escassez de mão-de-obra migrante, à medida que os
confinamentos restringiam os movimentos da população, afectavam as colheitas em todo o
mundo.
Desde então, as principais plantações mundiais têm enfrentado problemas difíceis de resolver.
O Brasil, o maior exportador de soja e o maior produtor de café do mundo, enfrentou uma
seca severa em 2021. Segundo escreve o The Guardian, entre Abril de 2020 e Dezembro de
2021, os preços do café aumentaram 70% depois de as secas e geadas destruírem as grandes
plantações. As ramificações económicas podem ser profundas, pois estima-se que até 120
milhões de pessoas dependam da produção de café para sobreviver.
A colheita de trigo da China foi uma das piores de todos os tempos este ano. Os produtores de
mostarda na França e no Canadá também já avisaram que o clima extremo causou uma
redução de 50% na produção de sementes no ano passado, levando à escassez do condimento
nas prateleiras dos supermercados, refere a notícia do The Guardian.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, no final de Fevereiro, piorou drasticamente o problema. A
agência de alimentos da ONU disse que os preços atingiram um recorde histórico em Fevereiro
e novamente em Março. A Rússia e a Ucrânia produzem quase um terço do trigo e da cevada
do globo e são responsáveis por dois terços da exportação mundial de óleo de girassol
utilizado para cozinhar. A Ucrânia é o maior exportador de milho do mundo. O conflito
danificou os portos e as infra-estruturas agrícola do país, algo que, provavelmente limitará a
produção agrícola ucraniana durante vários anos.
Na Índia, a forte onda de calor sentida em Maio deste ano prejudicou a colheita de trigo.
Quando Nova Deli atingiu os 49 ºC, o governo proibiu as exportações de trigo, elevando ainda
mais os preços que já tinham disparado após o começo da guerra na Ucrânia.
Nos EUA, o abastecimento de maçãs também parece estar em risco. A colheita deste fruto em
2021 nos estados do Michigan e do Wisconsin foi comprometida por causa da forte geada na
Primavera. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, as mudanças
no clima, como o aumento das temperaturas, podem levar a alterações na qualidade da fruta.
E em França, a indústria vinícola teve a sua menor colheita desde 1957, com uma perda
estimada de quase dois mil milhões de euros. Um vinhedo de champanhe que normalmente
produz de 40 a 50 mil garrafas por ano não produziu nada em 2021 devido a temperaturas
mais altas e chuvas fortes, diz o The Guardian.
Um estudo mostrou que, se as temperaturas subirem 2 °C, as regiões vinícolas podem
encolher até 56%. Quatro graus de aquecimento podem significar que 85% dessas áreas já não
serão capazes de produzir bons vinhos. Também a região vinícola de Napa Valley, no norte da
Califórnia, nos EUA, foi largamente afectada pelos incêndios florestais do Verão de 2020.
As preocupações com a segurança alimentar, intensificadas durante a pandemia, levaram
alguns países a acumular produtos básicos para evitar futuras escassezes, limitando a oferta no
mercado global. É difícil dizer quando é que o preço dos alimentos pode baixar, já que a
produção agrícola depende de factores de difícil previsão, como o clima.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse no início de Maio que o problema da
segurança alimentar global não poderia ser resolvido sem restaurar a produção agrícola
ucraniana e a produção russa de alimentos e fertilizantes para o mercado mundial.
O Banco Mundial prevê que os preços do trigo podem subir mais de 40% em 2022 e que os
preços dos alimentos só comecem a descer em 2023, algo que dependerá do sucesso das
colheitas na Argentina, Brasil e Estados Unidos, entre outros países.
Como uma grande parte dos cereais do mundo é destinada à alimentação do gado, persuadir a
população a comer menos carne e lacticínios pode aumentar drasticamente a oferta do grão,
disse Pierre-Marie Aubert, especialista em agricultura do Instituto de Desenvolvimento
Sustentável e Relações Internacionais da França, à agência Reuters.
Espera-se que a escassez global de cereais nos mercados de exportação este ano seja de 20 a
25 milhões de toneladas, mas se os europeus reduzirem o consumo de produtos animais em
10%, poderão reduzir a escassez para 18 a 19 milhões de toneladas, observou Aubert.
Melhorar o armazenamento dos cereais, particularmente em países altamente dependentes
das importações, e ajudar a população desses países a cultivar mais alimentos básicos em casa
também pode ajudar. E globalmente, plantar uma variedade maior de culturas para reduzir a
dependência de apenas alguns cereais, com mercados dominados por um pequeno número de
exportadores, pode aumentar a segurança alimentar.
Fonte: Público&Agências
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