A herança e o futuro
A um ano da mudança os que estão de partida preparam o anúncio de glórias que apenas são visíveis do ponto de vista de quem as anuncia.
Começam a colecionar-se imagens de um concelho que mais ninguém vê a não ser os responsáveis pelos onze últimos penosos anos e que apenas reforçam a distância entre a dura realidade e a fantasia de quem tenta a todo o custo segurar o poder que sabe estar perdido.
Irão mas deixarão ficar uma herança cujo peso se irá reflectir na vida da cidade e dos seus habitantes durante muitos anos.
Ficarão oitenta milhões de euros de dívidas a troco de obra nenhuma, uma estrutura de profissionais a quem foi sonegada a participação na gestão municipal por uma gestão errante, associações culturais, desportivas e sociais profundamente zangadas com a autarquia, que durante onze anos não foi capaz de estabelecer relações de confiança e de envolver numa estratégia comum os actores de uma cidade viva.
Deixarão de herança a impossibilidade de realização de investimentos durante muitos anos, por via da adesão ao PAEL com todas as consequências que essa decisão terá para a autonomia política do município e para os bolsos dos munícipes.
Ficarão as marcas negativas no território, por via das erradas opções de revisão do PDM, estradas e caminhos municipais degradados, o abandono do Centro Histórico com as consequentes marcas da desertificação e desleixo de 12 anos sem intervenção visível.
Quando bater com a porta, o PS deixará um município agarrado à concessão da distribuição da água em alta que funciona como um sugador de recursos financeiros por via de um contrato leonino assinado para fazer o jeito ao amigo Sócrates.
Com esta herança o próximo executivo municipal terá a enorme responsabilidade de mobilizar todos os recursos e vontades para voltar a credibilizar a acção do município, motivar os seus trabalhadores e construir uma gestão assente na mobilização dos munícipes em torno de uma ideia comum: devolver a Évora o brilho que 12 anos de gestão do PS ofuscaram.
O grande desafio é criar uma verdadeira rede de cumplicidades, vencendo desconfianças ancestrais e desejos de ajustes de contas sem sentido.
Este desafio tem tanto de difícil como de entusiasmante e não tem sequer o habitual instrumento facilitador que é a existência de recursos financeiros que muitas vezes servem para disfarçar arestas e “eliminar” animosidades.
Será necessário romper com lógicas instaladas e conservadorismos sem sentido, quer ao nível da prática política quer ao nível do discurso legitimador de opções.
Sem esquecer o mau e o bom do passado, sem renegar experiências e muito menos princípios que fizeram com que Évora fosse, durante décadas, um exemplo de gestão democrática e participada é necessário olhar para o caminho a percorrer, para as terríveis dificuldades a vencer, para os desafios novos criados pelos tempos que vivemos e por 12 anos de governo autárquico que levou o concelho à situação de calamidade por todos reconhecida.
No próximo mandato autárquico a gestão participada deixa de ser uma opção para ser uma exigência, sem a qual o próximo executivo será apenas uma espécie de comissão liquidatária em gestão corrente, garantindo a abertura da porta e o pagamento dos salários aos trabalhadores do município.
Dizem-me que não será tarefa fácil e alguns afirmam mesmo que a coisa não andará longe do impossível.
Talvez tenham razão, se não houver a ousadia de provocar rupturas com modos de estar, com inevitabilidades, com culturas de “não fazer”, para nos refugiarmos no “nim” que nos põe de bem com todos à espera do reconhecimento pessoal pela capacidade de construir pontes, que até podem unir margens, mas que não levam a lado nenhum.
Não haverá dinheiro, mas terá que haver aquilo que não se compra nem se vende em nenhum mercado local ou globalizado: confiança, capacidade de desafiar com frontalidade e humildade para partilhar as dificuldades e as soluções sem a tentação da apropriação dos resultados.
Esqueçam os caudilhos, os homens providenciais ou os santos milagreiros do costume. A obra dos próximos mandatos autárquicos ou é construída pela vontade colectiva das populações e dos agentes culturais, económicos, sociais e desportivos ou não existirá.
Certezas? O PS não estará à frente dos destinos do município e a situação financeira será terrível.
Quanto ao resto… será a exaltante tarefa de tornar possível o aparentemente impossível.
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