“Cortar a Coleta”

Por em 20 de Setembro de 2012

Nestes dias difíceis, que todos temos vivido, tenho procurado leituras que me proporcionem algum consolo para o espírito e me dêem ânimo e, sobretudo, paciência para aturar os dislates da camarilha do costume. Foi numa destas leituras que encontrei a seguinte história que passo a contar.

Numa tarde de toiros em Aranjuez marcava presença, entre outros oficiantes, o enorme Artista António Ordoñez, avô materno dos actuais matadores Francisco e Cayetano Rivera Ordoñez, naquela época uma das figuras maiores do “escalafón”.

Ao iniciar a sua lide, saltou para a arena um espontâneo que deu alguns passes no toiro graças ao Mestre que impediu que os seus bandarilheiros o retirassem, e como o público apreciou esta leviandade, deixou estender-se um pouco mais, tendo posto fim à actuação com um abraço e algumas palavras, certamente avisadas, ao aspirante.

De seguida pegou na “muleta” e bordou o toureio numa faena absolutamente inesquecível. Quando se preparava para terminar esta apoteótica actuação, executava uma das suas clássicas giraldillas, o toiro enganchou-o na perna e deixa-o pendurado no pitão. António Ordoñez levanta-se e o sangue borbotava-lhe de um buraco onde cabia um punho, dirige-se lívido para tábuas, e agarra-se a elas como à vida, resistindo a todos os esforços dos que o pretendem levar para a enfermaria.

Regressa cambaleando ao encontro do touro e mata-o com uma estocada fulminante deixando a praça em delírio. Retorna à barreira, transparente como o seu toureio, e quando recebe as orelhas e rabo com que o premiaram, ergue-os aos céus e desfalece inanimado.

Esta história foi contada por um toureiro que presenciou a cena na companhia de um cunhado também ele da arte. Questionando-se sobre se teriam tudo o que faz falta para repetir uma façanha daquela dimensão disse: “Não nos vamos enganar mais, respeitemos os nossos padrinhos e o público, e deixamos isto!” e cortaram a coleta…

Para mim isto é mais que uma lição de vida para os políticos actuais, aliás, são duas, uma acerca do espírito de sacrifício, e outra acerca da assunção das suas limitações. É isto que distingue quem é político de quem julga sê-lo.

Sobre Luís Pedro Dargent

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