Do Relato Financeiro ao Relato de Sustentabilidade: o papel do Técnico Oficial de Contas

Por em 1 de Fevereiro de 2013

Dinâmicas da Gestão

António Henriques Martins Guerreiro

Docente do Departamento de Gestão da Universidade de Évora

 

 

 

As questões da sustentabilidade, como fonte de vantagem competitiva das organizações, são amplamente reconhecidas na literatura nos domínios da gestão empresarial, constituindo no campo académico uma linha de investigação atual e em franco desenvolvimento em diversas áreas científicas. A inclusão de preocupações de âmbito social e ambiental, a par da vertente económica, nas estratégias empresariais é encarada como fator potenciador de um desempenho superior, proporcionando uma maior probabilidade de prosperar no longo prazo, pelas relações de confiança e parceria que a empresa estabelece com os seus stakeholders.

Gostaria de focalizar esta reflexão não nas questões da sustentabilidade propriamente ditas, mas sim na necessidade que as empresas sentem de comunicar as ações e os resultados das suas estratégias de sustentabilidade, ou seja a divulgação ou o relato da sustentabilidade, da mesma forma que o fazem com a informação de cariz contabilística. A divulgação de informação financeira e não financeira comporta não só uma fonte de redução de custos operacionais e financeiros, mas também responde a um leque mais variado de stakeholders que encontram na informação financeira e não financeira, sobretudo nesta última, fatores cada vez mais importantes de tomada de decisões aos mais diversos níveis, que afetam a vida das empresas.

A elaboração de relatórios de sustentabilidade é um processo contínuo e uma ferramenta dinâmica que não se conclui na apresentação de uma publicação impressa ou online do mesmo. Pelo contrário, é algo que deve estar integrado num processo mais abrangente da definição da estratégia, da implementação de planos de ação e de análise de resultados. A elaboração de relatórios permite uma avaliação consistente do desempenho da organização, permitindo uma melhoria contínua do desempenho no futuro.

A adoção de relatórios de sustentabilidade por razões de melhoria de imagem e aumento de reputação da firma, com a sua consequente exploração como instrumento de marketing, desvirtua o conceito de sustentabilidade e da sua incorporação nas estratégias empresariais, não produzindo resultados no longo prazo. Este tipo de abordagem vem fazendo com que encontremos com frequência gabinetes de imagem e marketing das empresas, ou consultoras em outsourcing a produzir estes documentos, por vezes apenas com informação de natureza descritiva.

A sistematização da informação, a diversidade das fontes, a conceção e operacionalização de um sistema que recolha, processe e armazene toda esta multiplicidade de informação, são alguns dos problemas relatados nos processos de implementação de divulgação da sustentabilidade. Tal como a contabilidade financeira tem em vista a apresentação da “imagem verdadeira e apropriada” da posição da empresa, também o relato de sustentabilidade deve prosseguir um desiderato semelhante, devendo existir mecanismos para que esta informação e respetivos relatórios possam ser suscetíveis de serem auditados interna ou externamente, tendo em vista o incremento da sua credibilidade.

Trata-se de um tema em evolução não existindo atualmente, como acontece na informação financeira, uma abordagem padronizada globalmente aceite e utilizada, não obstante os importantes desenvolvimentos levados a cabo por algumas instituições internacionais tais como a Global Reporting Initiative (GRI) que tem desenvolvido um conjunto de guidelines visando essa mesma harmonização na divulgação da sustentabilidade.

O relato de sustentabilidade tem tido a atenção da área científica da contabilidade, tendo já proporcionado algum trabalho de investigação nos últimos anos de inquestionável acuidade.

No entanto fica por responder uma questão central em toda esta temática: Quem deve assumir o papel central nas questões da preparação, e divulgação (relato) da sustentabilidade?

Deve permanecer no domínio dos gabinetes de imagem e marketing? Contratar consultoras especializadas em sustentabilidade que produzem relatórios bem elaborados (fonte de melhoria de imagem e aumento de reputação da empresa)? E as micro, pequenas e médias empresas, que representam a esmagadora maioria do tecido empresarial português, sem recursos internos ou capacidade para contratar externamente?

Do meu ponto de vista existe em todos os casos, independentemente da dimensão da empresa, um profissional nos quadros ou em regime de avença, que conhece profundamente a atividade e as operações, o quadro económico, social e ambiental em que elas operam, e tem uma larga experiencia na conceção e manutenção de um sistema de informação (a contabilidade financeira) que permite o registo dos factos patrimoniais da empresa e que viabiliza o cumprimento das suas obrigações legais em matéria de relato financeiro, e obrigações fiscais: o Técnico Oficial de Contas.

Tal como o Sr. Bastonário da OTOC refere diversas vezes em público, frequentemente o TOC é o único técnico superior com que as empresas (PME’s) mantêm algum tipo de vínculo e que as apoia no seu dia-a-dia. Para que estas possam relatar sustentabilidade e tirar partido deste novo tipo de estratégias empresariais, a participação ativa do TOC neste processo mais do inevitável, ela constitui uma oportunidade para os TOC. Aqueles que exercem a sua profissão por conta de outrem, de enriquecerem a sua função e terem um papel mais ativo e central na vida da empresa, os que a exercem de modo liberal ou em empresa de contabilidade podem ver nesta oportunidade a possibilidade de acrescentar valor à sua carteira de serviços a oferecer aos clientes, permitindo estreitar e sedimentar as relações entre o TOC e o empresário.

À OTOC fica reservado na minha perspetiva, o papel de sensibilizar a classe para esta mudança de paradigma na gestão empresarial que se traduz na oportunidade de enriquecer as funções do TOC, no desenvolvimento das ações de formação necessárias, e na defesa da integração do relato de sustentabilidade no leque de funções, responsabilidades e atribuições da profissão de Técnico Oficial de Contas.

Foi esta mesma posição que defendi recentemente no IV Congresso Nacional dos Técnicos Oficias de Contas, realizado em setembro último no pavilhão Atlântico.

Desde 2007 que o Mestrado em Gestão – Área de especialização em Contabilidade, da Universidade de Évora, vem oferecendo na sua estrutura curricular a disciplina de Relato Financeiro e de Sustentabilidade. Os alunos, parte deles TOC, são desafiados a explorarem este mundo do relato de sustentabilidade e a abraçarem este desafio.

 

Sobre Redacção Registo

Deixar um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Comment moderation is enabled. Your comment may take some time to appear.

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.