Estefânia Barroso
Ensino à distância em tempo de COVID 19
Todos nós ficámos satisfeitos quando o governo compreendeu que poderíamos ser um foco de infeção no que à COVID 19 diz respeito e decidiu fechar as escolas. Tanto quanto me recordo, a preocupação maior dos professores, na última 6ª feira em que se trabalhou nas escolas, era conseguir fazer passar a mensagem aos alunos de que deviam ter cuidados e permanecer em casa. É claro que houve a preocupação de deixar algum trabalho para os alunos irem fazendo, a promessa de que iríamos entrar em contacto com eles para trabalharem alguns conteúdos mas, em momento algum senti naqueles últimos dias de aulas, que a preocupação maior seria a forma como íamos manter os alunos a trabalhar, afincadamente.
Não sei se o estado de semiloucura que se vive atualmente no que ao “teletrabalho nas escolas” diz respeito se deve à intervenção do nosso Ministro da Educação mas é a explicação mais lógica que encontro. Efetivamente, assim que foi decretado o encerramento das escolas, o nosso caro Ministro da Educação saiu do seu estado de quase coma (única explicação que encontro para estas ausências tão prolongadas, em que ninguém o ouve falar) para deixar logo os professores (e, claro, os alunos) em ânsias relembrando que isto não eram férias! Havia que continuar a trabalhar!
É claro que não estávamos em férias. É claro que tínhamos de trabalhar (e tínhamos muito para fazer. Contudo, perante o aviso do senhor Ministro, a maior parte dos professores decidiu fazer o que faz de melhor: executar o que lhes é pedido e, como quase sempre, ainda mais do que lhes é pedido. Como tal, dedicaram-se às atividades ditas mais administrativas (maioritariamente avaliação e relatórios) e decidiram dedicar-se com afinco a criar material para enviar aos alunos! Afinal tínhamos todo um mundo (para muitos, novo) a descobrir: as plataformas digitais estavam abertas para usufruto de todos, sem para isso ter que pagar!
Mas foi nesse exato momento, quanto a mim, que surgiu o problema maior. Começamos por falhar porque não conseguimos, logo à partida, manter a equidade no ensino. Nem todos os alunos conseguem aceder aos conteúdos veiculados. E essa devia ser a nossa preocupação.
Enganam-se aqueles que dizem que, hoje em dia, todos têm computador em casa. Há uma média de um em cada 5 alunos que não tem acesso a computador em casa. Ah, dir-me-ão, mas têm telemóvel e têm acesso à internet! Sabem que ainda há em Portugal sítios que não têm rede de telemóvel? Sabem que, efetivamente há alunos que não têm telemóvel? Poderão responder-me que são poucos mas bastava um não ter para não estarmos a respeitar a ideia de que em Portugal queremos uma escola inclusiva onde TODOS, independentemente da sua situação pessoal e social possam adquirir um nível de educação que seja facilitador da sua plena inclusão social. Não estaremos, com todo esse “teletrabalho” a ajudar a cavar ainda mais o fosso entre aqueles que têm e os que não têm?
Questiono ainda: será justo enviar trabalhos para avaliação tendo em conta, mais uma vez, o apoio que alguns poderão ter em casa e outros não ter? Falo no apoio que os agregados familiares poderão dar, ou não, tendo em conta os níveis de escolaridade bem distintos.
Por fim, mesmo aqueles que têm computador em casa e internet: haverá necessidade de enviar a quantidade de tarefas que tenho visto? Eu ouço falar em testes online, eu ouço falar em aulas em direto, eu ouço falar em trabalhos e trabalhos para resolver, fichas de trabalho que nunca mais acabam. Há alunos que querem cumprir e que não conseguem dar continuidade a tudo o que lhes é pedido. Lembrem-se que nem todos terão um computador só para eles! Temos famílias inteiras em casa! Pergunto-me eu, como gerem elas o teletrabalho com a realização de exercícios de dois filhos, por exemplo? Há um computador para cada elemento da família? Tenho as minhas dúvidas.
Vamos lá ser realistas: acreditam mesmo que estes pedidos todos irão de alguma forma mitigar tudo aquilo que não poderá ser ensinado este ano? Convenhamos, e não quero ser alarmista, mas dificilmente voltaremos atempadamente a uma sala de aula este ano letivo. O que irão fazer a seguir? Lecionar conteúdos novos através de vídeos e plataformas esquecendo, uma vez mais, aqueles que não acedem a elas? Estarão de facto preocupados com as aprendizagens dos alunos ou quererão, como é hábito nesta profissão, mostrar mais e melhor trabalho a quem de direito?
Sinceramente acho que com todo este trabalho apenas estão a conseguir aumentar o stress que os alunos devem sentir. Não sinto que essa catadupa de tarefas os ajude a manter aquilo a que podemos chamar de rotina. Muito pelo contrário. Este “estar na escola sem estar na escola”, essa imensa carga de trabalho em casa não é rotina para eles. Apenas é mais um motivo para estarem ansiosos por se apresentarem muitas das dificuldades que acima citei.
Se há algo que esta COVID 19 está a ensinar-nos é que há que tirar o pé do acelerador porque a vida e o mundo como o conhecemos rapidamente mudam. Não continuemos nesta corrida cega do “tem de fazer” para ontem nem ensinemos os nossos alunos a serem assim. Somos professores: não veiculamos só conteúdos. Veiculamos um saber ser e estar também. Neste momento é hora de procurar conversar com eles, mostrar que sabemos sentir empatia por eles e não inundá-los de trabalho que apenas estão a tornar a vida deles e das famílias num inferno.
Estefânia Barroso – Professora
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