Fragilidades

Por em 18 de Abril de 2020
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Em 15 de janeiro do corrente ano a Diretora-geral da Saúde considerava excessiva a possibilidade de transmissão entre humanos do Covid-19, mas no dia anterior a OMS alertava para essa eventualidade. Afirmou até que não haveria qualquer motivo para alarme, que só por uma possibilidade remota o vírus chegaria a Portugal. Comparou, também, o Covid-19 a uma gripe comum. Em meados de março, a mesma organização declarava pandemia mundial provocada pelo novo coronavírus.

Em 5 de fevereiro, numa expressão absolutamente infeliz, a Ministra da Agricultura abria o mercado asiático aos produtos agrícolas portugueses dizendo que a pandemia poderia ter consequências bastante positivas. Entretanto os produtores de leite e queijo bradam por ajuda do Estado, face à impossibilidade de escoar o produto ou conservá-lo.

Graça Freitas chegou posteriormente a admitir o contágio a cerca de 10% da população, com uma taxa de mortalidade variável entre 2,3% e 2,4%, o que significaria cerca de 23 a 24 mil mortos corrigindo a mão, quando se apercebeu do alarmismo público, dizendo que não se tratava de previsões mas do pior cenário possível e que, felizmente, não se verificou até à data.

Quanto ao material de proteção e sua inexistência no SNS numa fase inicial, enquanto a Diretora-geral da Saúde desvalorizava uma situação absolutamente critica e que já preocupava o mundo, os nossos profissionais de saúde eram infetados pelos doentes Covid que se dirigiam aos serviços de saúde. Centenas de médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar infetados pela incúria. Ainda hoje os Bombeiros transportam doentes suspeitos de Covid sem dispor da necessária proteção, doada, em muitos casos, por benfeitores ou pela própria população portuguesa, sempre solidária.  

A utilização, ou não, de máscara tem assumido contornos de novela mexicana… ninguém se entende, e continuam a não se entender sobre esta matéria, deixando os portugueses à beira de um ataque de nervos, que felizmente são cautelosos e na generalidade (os que as conseguiram comprar) adotaram logo esse meio de proteção, especialmente em ambientes fechados. Mas é bom recordar que em 22 de março, Graça Freitas apelava ao não uso de máscara por causar falsa sensação de segurança, chegou a afirmar que não valia a pena… aconselhando apenas o distanciamento social e espirrar ou tossir para o braço. Não por milagre, mas por oportunidade, várias empresas portuguesas jogaram mão à produção de material de proteção, reconvertendo fábricas e meios de produção porque felizmente (outra vez) perceberam que tal era fundamental para evitar o contágio. Podemos, por isso, agradecer ao nosso tecido empresarial que sabe mais de saúde pública que o Ministério da Saúde.

Outro episódio interessante foram as declarações da Diretora-geral sobre a suposta declaração de cerca sanitária no Porto, que estaria em avaliação, para ser desmentida logo de seguida, após a enérgica reação do respetivo Presidente do Município. Também a compra de ventiladores tem sido um processo complexo e tortuoso. Desconfio que nem o Ministério da Saúde sabe, ao certo, porque não foi cumprida a data de entrega dos 500 aparelhos que já deveriam estar a postos no SNS.

Curiosa, também, a confusão criada à volta dos dados diários para o boletim epidemiológico e respetiva cedência às autarquias, desta feita protagonizado pela Ministra Temido. Aquela que não se entendia com a Ordem dos Médicos, nem com a Ordem dos Enfermeiros contra quem emitiu, aliás, uma ordem de sindicância, nem com os grupos privados que operam no sector e que ponderaram requisitar. Pena que não tenha sido tão célere na aquisição de luvas e gel desinfetante para a primeira linha, bem como na contenção do preço do álcool.

A não cedência dos dados da pandemia à academia é outra questão obscura. Não se entende esta renitência em não divulgar os dados aos cientistas que apelam à sua disponibilização, de forma a poder contribuir para a rápida eliminação da doença ou, pelo menos, para um conhecimento eficaz do seu comportamento.  

Sabemos que lidamos com um vírus novo, responsável por uma pandemia mundial de contornos ainda desconhecidos. Sabemos que os intervenientes governamentais terão estado imbuídos de boa-fé ao longo deste processo. Mas também sabemos que esta pandemia deixou transparecer a imensa fragilidade de um SNS alvo de desinvestimento público nos últimos anos, a total inoperância e inexperiência de uma Diretora-geral que ao desvalorizar a situação permitiu o contágio de centenas de profissionais de saúde e negligenciou totalmente o uso de máscara como forma de impedir o contágio, apenas porque sabia que o mercado português não dispunha da quantidade suficiente para satisfazer a procura. Admitimos que inicialmente a Diretora-geral não estivesse na posse de toda a informação sobre o vírus; admitimos o dinamismo destes processos, desconhecidos e evolutivos. Mas ser incapaz de antecipar o óbvio quando todos os alertas eram conhecidos e públicos, já é incúria.

Sabemos, por isso, que um dia destes o governo terá de prestar contas pelas suas fragilidades porque a pandemia não durará para sempre.

Sónia Ramos – Presidente da Distrital do PSD de Évora

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