Um acordo insuficiente
Está ainda tenro na nossa memória, o fim de semana de negociações no Conselho Europeu, com vista a um acordo a 27 para o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e para o chamado Fundo de Recuperação. Os resultados não surpreenderam. O apelo a bazucas de finais de Abril cedo se percebeu que não colheria. Foi o próprio eixo Franco-Alemão a balizar os limites de um possível acordo e a partir a bazuca a metade. A discussão que fomos acompanhando, só confirmou que a decisão a que se chegou foi totalmente subordinada e limitada pelos interesses dos países que mais têm beneficiado com o processo de integração europeu, o mercado único e o euro, expondo a sua natureza. Ficaram mais uma vez a nú as profundas contradições e tensões que grassam na União Europeia, um processo que gera e agrava desigualdades e assimetrias, onde a solidariedade se confirma inexistente.
O acordo confirmou elementos negativos para Portugal. Contrariamente ao necessário, o montante global do QFP2021-2027 fixou-se num valor abaixo de anteriores propostas apresentadas quer pela Comissão Europeia, quer pelo Conselho. Tal traduzir-se-á em cortes nas políticas de coesão (-7,2%), na agricultura (-12%) e pescas (-16%), comprometendo ainda mais qualquer perspectiva de convergência económica e social entre países, e marcando a referência para orçamentos futuros. Confirmando-se o aumento da contribuição nacional para o Orçamento da UE que anteriores propostas determinavam, observa-se que o acordo cede aos países que mais beneficiam com a UE, com o aumento dos chamados rebates, algo como um desconto nas contribuições daqueles países para o Orçamento, num montante superior a sete mil milhões de euros. Compromete-se ainda mais a função redistributiva que o Orçamento deveria ter. Por outro lado, o denominado Fundo de Recuperação, além de confirmar a sua insuficiência face às necessidades de investimento existentes, vê aumentar a sua componente de empréstimos face à proposta inicial, determinando o aumento da dívida e o pagamento de juros associado ao pagamento do empréstimo. A sua componente de “subvenções” representa na prática uma outra forma de empréstimo já que configura um adiantamento de verbas orçamentais que serão pagas mais tarde com a redução de transferências futuras do orçamento, a partir de 2028.
O Parlamento Europeu não deixou em branco este processo negocial e tratou de fazer aprovar uma resolução, em sessão extraordinária convocada e realizada na passada quinta feira. A resolução tem, no essencial, dois elementos positivos. Afirma a discórdia em relação ao acordo e denúncia os rebates, exigindo o seu fim. Não são elementos suficientes, como outros procuraram fazer alarde. Aliás, assenta os seus pressupostos, ainda que de forma velada, no reforço do orçamento da UE através de impostos europeus. Não tem uma única referência à coesão. Não aponta uma resposta, como em anteriores resoluções, de um aumento dos valores do QFP. Tem referências negativas às políticas securitárias e militaristas da UE, apelando aos eu reforço.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu avançaram com propostas concretas que, a serem aprovadas, reforçariam o mandato negocial com vista à introdução de medidas positivas na versão final do QFP 2021-2027. Entre elas, o aumento dos meios financeiros alocados à política de coesão no QFP como pré-condição para a sua aprovação; o alinhamento das opções de investimento com as reais necessidades dos povos e dos Estados-Membros; a rejeição de qualquer forma de condicionalidade económica e política que pretendam interferir em decisões soberanas dos Estados, consagrados acordo, seja na utilização dos fundos do QFP seja na utilização das verbas do Fundo de Recuperação; o reforço do orçamento da UE essencialmente a partir das contribuições dos Estados-Membros, de acordo com o respectivo RNB, como forma de reforçar a função redistributiva do orçamento, assegurando que aqueles que mais beneficiam da integração (do mercado único e do Euro) contribuem mais; a rejeição da criação de impostos europeus. Propostas que seriam rejeitadas com os votos contra de PS e PSD (o deputado do CDS não votou).
João Pimenta Lopes
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