“O nosso sistema de ensino está desajustado”

Por em 5 de Janeiro de 2012

Professor e administrador de uma empresa de construção civil, Sérgio Lourinho trocou Portugal pelo Brasil. E não se arrepende.

Está no Brasil há quanto tempo?
Quatro anos. Mas houve uma interrupção pelo meio. Inicialmente fui um ano fazer um intercâmbio. Estava no último ano da Faculdade de Direito de Lisboa e decidi fazer uma experiência internacional.

Já lá vamos. Antes gostava de lhe perguntar se ouviu o primeiro-ministro a apontar a emigração como uma possível saída para os jovens licenciados?
Ouvi.

E o que pensa disso?
Eu saí de Portugal antes da crise anunciada, porque em crise sempre estivémos, e por opção própria, ao contrário do que sucede com muitos dos actuais jovens licenciados que não têm outra opção e se vêem na contingência de emigrar. Comigo foi diferente.

Mas faz uma leitura das palavras do primeiro-ministro.
Via-as de duas formas, uma sincera e outra sensata. De uma maneira sincera porque o primeiro-ministro não disse nada que não fosse verdade, é um facto. Talvez por questões políticas não devesse ter dito isso dessa forma mas a vida aos poucos ensinou-me que temos de separar o essencial do acessório. Olhando o essencial, o que é que ele disse que não está certo? É muito fácil discutir o jogo político mas no final do mês todos temos contas para pagar.

Visto do outro lado do oceano [Atlântico] é um caminho que está em aberto para os jovens?
Eu trilhei esse mesmo caminho emboa de um modo diferente, não por necessidade mas por escolha pessoal. Terminei a faculdade e tinha emprego em áreas onde hoje provavelmente não teria, como consultoras ou banca.

Aí já tinha a intenção de partir, fazer o Erasmus?
Isso foi antes. Primeiro fiz o Erasmus, voltei a Portugal, fiz uma outra pós-graduação na Faculdade de Direito de Lisboa. Fiquei sete ou oito meses. Nessa altura comecei a pesquisar emprego, fui a várias entrevistas, poderia ter entrado em diversos escritórios de advogados, a minha média de curso era bastante elevada ….

Mas optou pelo Brasil.
Uma das áreas profissionais que sempre preferi é o magistério. Sempre quis dar aulas. Para isso tinha de fazer o mestrado. Só na Faculdade de Direito de Lisboa tínhamos 500 vagas. Na Universidade Federal do Paraná, onde actualmente sou mestre, temos 25 vagas por ano. Decidi arriscar. Já conhecia a região, concorri para o mestrado em Direito.

Mestrado à séria, antes de Bolonha, entendo bem?
Sim, um mestrado de verdade. Tal como o meu curso, que foi de 5 anos, o penúltimo antes de Bolonha. No Brasil não existe essa história desse tipo de mestrados. Aqui não havia selectividade para fazer o mestrado. Só para lhe dar uma ideia: o estado do Paraná tem mais de 10 milhões de habitantes, uma área três vezes maior, e no ensino público de Direito para mestrado temos à volta de 50 a 60 vagas por ano. Em Portugal teremos 1300 vagas.

Que conclusões tirou da análise desses números?
Que teria vantagem em ir para lá. De um ponto de vista mais geral, concluo que o nosso sistema está completamente desajustado. Felizmente temos uma educação de qualidade mas corremos o risco de desequilibrar a oferta com a procura e com as saídas profissionais. O resultado é termos advogados estagiários como caixas de supermercado.

Para si o mestrado foi a oportunidade para iniciar a vida profissional?
Isso surgiu um pouco por arrasto. Ganhei uma bolsa de estudo, comecei a pesquisar logo desde o início. Comecei a dar aulas naquela universidade e menos de um ano depois fui contratado para dar aulas numa universidade privada. Actualmente estou a dar aulas em duas universidades privadas, sou advogado e administrador numa empresa de construção e obras públicas.

Como é que surgiu a actividade empresarial?
Nada acontece por acaso mas não foi premeditado. Quando cheguei ao Brasil não conhecia nada nem ninguém. Nasci em Portel, aos 14 anos vim estudar para Évora, depois para Coimbra e a seguir para Lisboa. Vi-me desde muito novo na contingência de viver fora de casa dos meus pais. Mas chegar ao Brasil deu-me outra dimensão do mundo, aí é que descobri o que era estar num local sem conhecer nada nem ninguém.

Foi fácil a adaptação?
A minha experiência de vida talvez tenha facilitado as coisas.

Considera-se definitivamente fixado no Brasil?
Não digo isso … mas tenho a minha vida estabilizada lá, isso é um facto. Venho cá uma vez por ano.

Como é que tem visto o evoluir do país, com a crise e o aumento do desemprego?
Nós portugueses comportamo-nos como se não houvesse crise, veja-se os carros topo de gama ou os ipad’s que esgotam nas lojas. Não sei onde vamos parar. Desde há algum tempo que deixei de interferir no comentário político em Portugal.

Sobre Luís Godinho

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