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“A cultura merece respeito”

Professor e investigador da Universidade de Évora é estudioso das relações literárias entre Portugal e Espanha no início do século XX.
A literatura começou a fazer parte da sua vida desde muito cedo ao ouvir o avô ler poemas todas as tardes, num 2º andar da zona histórica de Cáceres. Leu Kafka aos 13 anos e aos 14 foi marcado pelo heterónimo Álvaro de Campos. É um homem da cultura, ligado aos livros, que vê a literatura como uma experiência humana, graças à semente deixada pelo avô, e com uma forte vocação social.
A sua área de investigação é relações literárias entre Portugal e Espanha no início do século XX e foi ele quem trouxe o ensino de Espanhol para a Universidade de Évora.
Sempre entre os dois lados da fronteira, Antonio Sáez Delgado nasceu e cresceu em Cáceres, na Extremadura espanhola, mas as suas praias sempre foram a Nazaré e a Figueira da Foz. Lisboa era o destino habitual das férias em família e enquanto adolescente, o local escolhido para os fins-de-semana com os amigos. Na década de 80, para os jovens extremenhos, a moderna Lisboa era a capital mais importante.
Corriam os alfarrabistas, as galerias de arte e as livrarias com o dinheiro ganho na venda dos “fanzines”, pequenos jornais fotocopiados que Antonio Sáez Delgado fazia com os amigos e onde escreviam sobre literatura, música e espectáculos.
Mas esta ligação ao mundo da cultura e dos livros começou muito antes. Em pequeno, Antonio Sáez Delgado e o irmão, hoje também professor de literatura, passavam as tardes a ouvir o avô, autor de livros de poemas e um apaixonado pela leitura e pela escrita, ler os clássicos da literatura espanhola e da literatura universal.
O que inicialmente era o passaporte para um lanche delicioso confeccionado pela tia, com o passar dos anos o professor percebeu a importância daquela escola paralela e do contacto com os livros da biblioteca do avô.
“Não tinha consciência daquilo que os poemas faziam em mim. Percebo que estava lá por amor, porque o meu avô fazia poemas e escrevia livros, e eu via os livros com o nome do meu avô na capa. Ele queria pôr-nos o vírus e colocar-nos o bichinho e conseguiu. Somos os dois professores de literatura e escritores. Foi uma experiência muito útil na transmissão de valores. “
E é graças à experiência de vida com o avô que vê a literatura não apenas como uma disciplina ou como propriedade das universidades, mas como algo que “faz parte integrante da vida, com uma forte componente humana, de transmissão oral e de vivência, porque não faz sentido um livro sem o escritor e sem alguém para o ler, para comentar “, e que, como tal, não é perfeito.
“Para nós a literatura tinha uma voz. Ao ouvir Dante, com 12 anos, era a voz do meu avô, a voz de um homem de 70 anos que se enganava, que voltava atrás, que repetia”.
Antonio Sáez Delgado começou a escrever muito novo, incentivado pelo avô. Acredita que a literatura é uma “doença que se deve amar mas também saber deixar a uma determinada distância”. Sempre quis, enquanto professor e escritor, que a sua participação na literatura não fosse apenas a de espectador.
“Sempre tentei que o meu trabalho tivesse uma vocação social e não estivesse restrito a um pequeno número de leitores” confessa. Estuda as relações literárias entre Portugal e Espanha no início do século XX, “área muito restrita a especialistas daí sentir que devia fazer alguma coisa para ser um actor na cultura” e foi por isso que começou a traduzir.
Através da tradução tirou do esquecimento autores desconhecidos “mas interessantes” que também fazem parte da história da literatura do século XX para que, quando alguém estudar a literatura do século XX “não fale apenas de António Lobo Antunes ou Saramago. Eu quero que os leitores espanhóis conheçam os autores que eu gosto da literatura portuguesa”.
Cronista no suplemento literário do El País, acredita que este é um trabalho com a dimensão social que defende. “Quero dar a conhecer às centenas de milhares de leitores deste suplemento determinado livro português que penso ter interesse e que vale a pena lerem. Não trabalho com células ou átomos, mas com palavras, que podem não salvar vidas, mas ajudam a melhorá-las”.
Antonio Sáez Delgado foi o comissário da exposição Suroeste, dedicada às relações literárias e artísticas entre Portugal e Espanha, parte do calendário oficial da presidência espanhola da Comunidade Europeia em 2010, que esteve patente no “Museo Extremeño e Ibero-americano de Arte contemporânea” de Badajoz.
“Foram dois anos de muito trabalho com um orçamento importante, seguros para mais de 400 peças, entre livros, documentos, fotografias, cinema, música e artes plásticas provenientes de 90 pontos de todo o mundo ” conta o professor sobre a exposição, que foi considerada pelos jornais El país e ABC entre as dez melhores do ano em Espanha.
“Alguém no Ministério da Cultura espanhol leu o meu livro “Corredores de fondo” (sobre as relações literárias entre Portugal e Espanha) e fez-me a proposta de o transformar para 3 dimensões. O livro deve ter vendido 700 exemplares, felizmente entre esses 700 leitores, dez anos depois, um deles teve de fazer a programação cultural de algo importante, e pensou em mim”.
Apesar de não contabilizar o número de visitantes da exposição, Antonio Sáez Delgado não se mostra preocupado. “Eu acredito que a cultura é algo ao qual as pessoas se devem aproximar, não é a cultura que se deve aproximar às pessoas baixando o nível. Interessa que as pessoas tenham um processo de educação”.
O professor considera que o conceito de cultura está errado para alguns. “As pessoas pensam que a cultura serve para passar os tempos livres. Mas cultura é uma coisa, passatempo pode ser outra.”
Na sua opinião, a cultura está estreitamente vinculada à educação e tem de ter um projecto.
“O programador cultural tem de responder a uma lógica, a uma arquitectura, e pensar que a pessoa que acompanhe um ciclo cultural vai, no final, alcançar determinados objectivos”. No entanto sublinha que não há um rendimento imediato. “A cultura merece respeito, não é uma área que se invista para ter retorno imediato”.
E o professor até compreende que, em épocas de crise, seja preciso cortar nesta área, só não concorda que os cortes só sejam feitos naquilo que é considerado “alta cultura”.
“Dificilmente encontramos um autarca que diga que menos importante que uma estrada é o futebol, as touradas ou a Feira de S. João. Nisso ninguém mexe”.
Até porque defende que a “alta cultura” não é mais cara que a cultura popular, “o rendimento político que se tira de uma Feira é que é superior ao que se tira ao apoiar um evento literário por exemplo”.
Actualmente Antonio Sáez Delgado divide a sua vida entre Portugal e Espanha e apesar de saber que vive uma situação privilegiada, sente-se por vezes um estrangeiro nos dois países. Veio aos 25 anos para a Universidade de Évora como leitor de espanhol, numa altura em que estava a fazer o doutoramento na Universidade da Extremadura e o número de alunos desta língua tem tido um crescimento exponencial na Universidade de Évora.
Em 2008 foi reconhecido como tradutor com o prémio Giovanni Pontiero, concedido pelo Instituto Camões e pela Faculdade de Tradução da Universidade Autónoma de Barcelona.
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