A Política Agrícola Comum (PAC): Pagar para não produzir no Alentejo?

Por em 30 de Março de 2012

Nos últimos tempos a agricultura tem sido notícia. Esta afirmação poderia ser devida à escassez de chuva que temos tido neste Inverno. Mas não é. Refiro-me às notícias que, há mais algum tempo atrás, nos vêm dando conta de que a nossa agricultura não progrediu com a adesão à Europa, de que muito poderia e deveria ter sido feito para promover a produção e produtividade e não foi, de que os indicadores socioeconómicos que a caracterizam dão bem conta do seu estado de baixo grau de desenvolvimento, de que desmantelámos a sua capacidade instalada, juntamente com a das pescas, por contrapartida de fundos estruturais. Generalizou-se na opinião publica a ideia de que estas políticas, e refiro-me em especial à PAC, pagam para não se produzir.

Naturalmente, que não são alheios a estas questões os sentimentos de crise e os esforços para encontrar no tecido produtivo, e também no setor agrícola (a que se juntam temáticas e discursos políticos, que focam o interior, o seu abandono e fragilidade económica, a necessidade de mais coesão social, a ruralidade, as tradições e princípios, nomeadamente de solidariedade e de minoração de carências nas sociedades rurais com ligação à produção agrícola), uma forma de produzir bens transacionáveis para exportar ou para substituir importações (consumir português ou português é bom) e, por conseguinte, de encontrar caminhos para a sua progressiva resolução.

Os agricultores e os empresários agrícolas são agentes racionais, do ponto de vista económico, social e humano. Comportam-se racionalmente respondendo a sinais e a alterações de variáveis políticas, económicas e sociais, nomeadamente progresso socioeconómico, estabilidade política e melhoria de governance, orientações e apoios estruturais ao investimento, preços, pagamentos e compensações, subsídios, risco, entre muitos outros, consoante os seus objetivos económicos e sociais de qualidade de vida e de bem-estar.

Contemos, então, a história: a PAC: pagar para não produzir, no Alentejo.

Apoiar os agricultores europeus com preços elevados para incentivar a produção levou a que a Europa tivesse preços para os bens alimentares mais elevados do que os preços mundiais, ou seja, que os dos seus parceiros comerciais. Quem suportava a maior parte da fatura desta política éramos todos nós, consumidores, que pagávamos preços de alimentos mais elevados. Pagávamos todos também, a prazo, mais ou menos rapidamente, pelos problemas ambientais de sobre-exploração de recursos naturais. Mas pagávamos também pela necessidade de armazenar e exportar os produtos não absorvidos pelos mercados.

A PAC, em 1993, abandonou este modelo de suporte ao rendimento dos agricultores baseado em preços institucionais Retomar os preços mundiais significou desde logo preços de alimentos baixos para os consumidores e maior competitividade para os setores que usam matérias-primas alimentares, que se traduziram em ganhos reais de nível de vida para os europeus.

Mas, no que toca especificamente aos agricultores, queria ou não a Europa manter o apoio ao rendimento dos agricultores? A resposta, ainda hoje, tem que ser dada por nós, enquanto sociedade, querendo ou não manter o povoamento de grande parte do território, garantir a preservação dos recursos ambientais mantendo atividades agrícolas, assegurar níveis mínimos de produção alimentar e contrariar preços especulativos em situações de emergência, adotando ou não uma política pública para esses objetivos. Outras razões económicas e sociais poderiam ainda ser apresentadas a favor ou não da sustentação desse modelo, mas não é esse o objetivo deste texto pelo que deixaremos para outra oportunidade.

Querendo a Europa manter o apoio ao rendimento dos agricultores para abandonar o modelo baseado nos preços institucionais teve que procurar outro, mais desligado da produção, que entregue os bens e serviços públicos que, supostamente, o justificam. As sucessivas reformas da PAC têm vindo, gradualmente, sem sobressaltos políticos e sociais como desejado, a procurar e a implantar esse outro modelo.

O desligamento progressivo da produção e a gradual relação com os bens públicos, sejam de natureza económica, social ou ambiental, ou seja, a sustentabilidade, tem sido a principal orientação da trajetória das reformas.

Começou-se por estabelecer critérios para cálculo das ajudas baseados no histórico produtivo em função das culturas apoiadas e produtividades obtidas para determinar ajudas, mantendo-se obrigação de produzir culturas ou de manter pecuária e adotando regimes de retirada de terras da produção, regras que sucessivamente foram suavizadas, incluíram-se nessa lógica, consecutivamente, outras produções agropecuárias, estabeleceu-se o regime de pagamento único, e incluíram-se condições obrigatórias de ligação aos recursos (eco condicionalidade) para pagamento das ajudas.

Este modelo não é pagar para não produzir. Mas tem efeitos ou consequências. Quais? E, particularmente, em relação à agricultura do Alentejo? E quanto, ao seu papel de suporte, ao desenvolvimento da região?

As ajudas pagas aos agricultores têm sido pagas com critérios históricos relativos a áreas e produtividades culturas. No Alentejo produziam-se as culturas com preços apoiados em áreas relativamente grandes. O Alentejo tem mais de metade da superfície agrícola utilizada do País. Por isso, a região do Alentejo tem uma grande cota parte do total das ajudas nacionais. Acresce que o Alentejo tem, em termos relativos, mas também absolutos, explorações de grande dimensão. Logo, no Alentejo as ajudas tendem a ter volumes financeiros elevados por agricultor. Acresce que as produtividades dessas culturas, na grande maioria da área de sequeiro, são baixas. Aos novos preços de mercado mundial essas culturas, nos moldes praticados, dificilmente são rentáveis. Logo, no Alentejo, passaram a receber-se volumes de ajudas por agricultor elevados e a existirem, fundamentalmente, opções de produções de culturas, que os agricultores tradicionalmente sabiam produzir, sem rentabilidade.

O resultado desejado com o desligamento total, não é, com certeza, pagar para não produzir. Mas tendeu a ser. O que sucedeu foi o abandono dessas produções e aumento da área em pastagens permanentes para aproveitamento pecuário. A extensificação da agricultura da região, verificada ao longo dos anos, tem muito a ver com este ajustamento. No Alentejo, a área utilizada em culturas temporárias decresceu consideravelmente e a de pastagens permanentes aumentou muito.

Se o conjunto de possibilidades de produção incluísse atividades com elevada rentabilidade os empresários agrícolas e produtores teriam orientado a afetação dos seus recursos para essas culturas e esse ajustamento não se teria verificado.

Poderemos então perguntar: e a questão do regadio? E as opções alternativas? Não temos estado a fazer Alqueva para dar possibilidades acrescidas potenciais aos agricultores? E resposta é sim. Alguns agricultores que passaram a beneficiar de água para regar ficam com maior potencial para responder. Ainda assim repare-se que no conjunto da SAU do Alentejo a área prevista só afetará alguns. Mas mesmo esses, que terão disponibilidade de água, terão que ser competitivos, terão que dispor de mais capital, terão que aprender a trabalhar com outras culturas e com a água, o preço da água tenderá a aumentar e a exigir que seja usada eficientemente, terão que ter capacitação técnica para o efeito, terão que ter adequada infraestrutura, tecnologia e serviços técnicos públicos e privados de rega, entre outros aspetos. Não é pera doce. Se, simultaneamente, receberem um volume de ajudas diretas muito razoável, que permita obter um rendimento anual e mensal acima de um nível muito razoável, tenderão a ser incentivados a projetar e implantar alterações estruturais, investir e arriscar? Isso será particularmente razoável se já se encontrarem numa fase avançada do seu ciclo de vida ou se não existirem opções ou projetos para continuação familiar da atividade na agricultura? Claro que não.

Muitos outros, no entanto, continuaram com as mesmas restrições. Que ajustamentos poderiam ter introduzido para manter a sua competitividade? Poderiam ter reduzido custos e incrementar a fertilidade do solos para aumentar as produtividades com técnicas de mobilização alternativas, tentado promover a qualidade dos seus produtos associados a sistemas de baixa intensidade em fatores económicos comprados e mais intensivos do ponto vista biológico, associado os seus produtos a territórios, regiões e origem conhecida para reforçar os atributos de segurança e qualidade alimentar dos seus produtos, tentado transformar alguns desses produtos e subir na cadeia de valor (queijos, enchidos, vinho, azeite, mel, entre outros), optado em áreas marginais e de pouco potencial por manter atividades e operações que preservem os recursos ambientais e serem pagos por esses bens e serviços públicos que prestam em medidas agroambientais. Alguns fizeram exatamente isso. Mas, também, numa boa parte destes, para quê se o complemento ao valor financeiro das ajudas recebidas é relativamente marginal. Ainda assim, muitos, também numa grande parte dos casos, quiseram preservar o valor do seu património fundiário.

Como é conhecido há novas regras para a reforma da PAC pós-2013. As suas orientações já estão a influenciar o comportamento dos agricultores e empresários agrícolas mas a forma como forem implantadas as novas regras dessa reforma serão decisivas. A PAC pode deixar de ser a desculpa para todos ou quase todos os males da agricultura de Portugal e do Alentejo. Na PAC pós-2013 vai cair a ligação ao histórico. A PAC pode passar a ser cada vez menos desigual entre agricultores, regiões e países. As novas regras são muito mais flexíveis e os agricultores podem receber pagamentos por hectare sem ligação às suas opções de produção agropecuária. A regulamentação da condição de agricultor ativo, agora introduzida, pode ajudar a promover a atividade. O pagamento suplementar pelo fornecimento de bens públicos (greening) deve sujeito a uma avaliação específica de métodos, práticas, condições e seus efeitos ambientais. Há muito para produzir e inovar na agricultura e desenvolver o Alentejo com os seus agricultores e, permitam-me, com ciência e conhecimento aplicado, com que os investigadores também podem ajudar. Apenas um conselho aos nossos dirigentes políticos. Não cometam, como até aqui, o pecado de nos fazer crer que não há custos ou sacrifícios para os diferentes stakeholders, por manter tudo na mesma. Incluindo, para os agricultores, para o desenvolvimento do Alentejo e para a Universidade de Évora.

 

Sobre Carlos Marques

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